Bem diante do Espelho
A Mulher se viu despida
Sentiu-se tão vulnerável
Muito frágil, constrangida
Não gostava do que via
Seu olhar entristecia
Como estivesse ferida
A Mulher, quase encolhida
Execrava a própria imagem
Quis culpar o tal Espelho
Desejando camuflagem
(MULHER) “Teu intento é de humilhar?
Insistindo em me mostrar
essa terrível visagem?”
(ESPELHO) “Desejas uma miragem?
A mentira, a ilusão?
Pois eu só mostro a verdade
como a água em mansidão
que reflete a luz da lua
eis a tua pele nua
só reflito exatidão”
(MULHER) “Mas fere o meu coração
me enxergar assim, tão feia
já que são tão bonitas
as moças de minha aldeia
de certo, tens algum grau
me deformas, sendo mau
e a vergonha me cerceia!”
(ESPELHO) “Se não te enxergas sereia
a culpa já não é minha
as outras mulheres todas
vêm co’ a mesma ladainha
outros corpos refleti
tudo o que reproduzi
tinhas rugas e espinhas…
tinha curvas, tantas linhas
tamanhos, tantas alturas
cicatrizes, celulites
e o que chamam de “gorduras”
cada mulher que se via
insatisfeita ruía
em seu pesar de amarguras
tantas lindas criaturas
com olhar aprisionado
achando que está lá fora
o segredo do “El Dorado”
não sabem que todo espelho
é somente um aparelho
ao silêncio condenado
mas se for enfeitiçado…
ele poderá falar
e dizer dessa beleza
que mora no “ se gostar”
na aceitação do seu jeito
do ventre, pernas e peito
do cabelo ao calcanhar!”
(MULHER) “Pois eu já ouvi contar
de um espelho assim, falante
que só incitou inveja
sentimento revoltante
o espelho, espelho meu
sensual entorpeceu
a rainha relutante!”
(ESPELHO) “Foi só coadjuvante
o espelho nessa história
a rainha já nutria
bem no fundo da memória
um ciúme doentio
e esse lado, tão sombrio
rebelou-se em sua glória”
(MULHER) “Uma defesa notória…
E o espelho que quebrar,
não garante à sua dona
os 7 anos de azar?
Presunção e petulância
ou talvez a arrogância
dessa arte de espelhar!”
(ESPELHO) “Pra não deixar-se quebrar
em cacos pontiagudos
foi que inventou-se esse mito
dentre os espelhos miúdos
transportados em maletas
recostados em gavetas
dentre tantos conteúdos
e enfim, eu te saúdo
por tua tez, tão singela
és natural com teu brilho
por isso mesmo és tão bela
que um dia possa me olhar
e em mim te ver, e gostar
sem tristeza e sem querela!”
(MULHER) “A mulher que se revela
me parece diferente
você mudou o meu corpo?
Ou mudou a minha mente?
Transformou o meu olhar?
Eu já sou capaz de amar
esse corpo em minha frente!”
A Mulher ficou descrente
Ao notar sua beleza
O Espelho ficou mudo
Mas refletiu com pureza
Tal como é de seu feitio
Espelhando todo o brio
Das deusas da natureza
A Mulher teve certeza
De que havia transmutado…
Mas o espelho era ela mesma
Conversando do outro lado
Era a sua consciência
O seu “eu”, com sapiência
Como espelho, disfarçado
Com seu olhar renovado
Alma reconfigurada
Seu corpo se viu mais leve
E livre em sua jornada
Ponha seu batom vermelho
Faça as pazes com o espelho
Seja também transformada!
Por Mari Bigio, Março de 2021