
Escrevi este Cordel para compor uma coletânea de folhetos com temática ambiental, à convite da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Prefeitura da Cidade do Recife, em 2013.
Um poeta já nos disse:
“nossa vida é como um rio”
flui sem pressa e retenção
em seu leito, no baixio
guarda todos os segredos
as vivências e os medos
a beleza e o sombrio
Um espelho d’água clara
que reflete nossa alma
a voz do rio revela
a quem escutar com calma:
conta sobre suas gentes
pois ele e seus afluentes
são como as linhas da palma
Assim o Capibaribe
o Rio das Capivaras
nos fala de tempos idos
de coisas velhas e raras
de cheias, revoluções
de senzalas e mansões
histórias belas e caras
Sua foz em pleno Porto
não esquece da nascente
dos causos dos pescadores
da gente pobre e contente
que vive à margem do rio
das cores do casario
que aquarela o Sol poente
João Cabral de Melo Neto
fez do rio Severino*
o exímio “Cão sem Plumas”**
nas memórias do menino
– que foi Manuel Bandeira –
jangadas de bananeira
caboclos no Sol à pino
Chamado “Capiberibe”
numa certa Evocação***
no Cais da Rua da Aurora
logo após a União
carrega o sentimento
do primeiro alumbramento
testemunha da paixão
Este rio que nos corta
atravessa, não reparte
como se fosse uma artéria
do Recife um estandarte
da cidade o coração
e fonte de inspiração
da poesia e da arte
Do letreiro do Cinema
à Ponte de Ferro antiga
faz parte dessa paisagem
como um verso da cantiga
e as estátuas dos poetas
repousando mui quietas
na beirada que os abriga
O seu curso, poluído
hoje encontra-se exangue
Como um corpo sobrevive
contaminando-se o sangue?
é como um quadro dantesco
mesmo triste, pitoresco
emoldurado por mangue
Um dejeto que se afunda
esperança que naufraga
será que este rio guarda
da cidade certa mágoa?
penso na situação
d’um córrego, um ribeirão
e outros tantos cursos d’água…
É mesmo que envenenar-se
degradar o ambiente
fazer das águas “lixão”
não usar corretamente
este Bem que é pura Vida
este poema elucida
o seu uso consciente
Tanta gente reclamando
do calor, que nos enfada
e põe a culpa no Sol
enquanto lava a calçada
o carro fica tinindo
e o tesouro se esvaindo
é água desperdiçada…
Para ter alma lavada
melhor fechar a torneira
pra quem canta no chuveiro
pode parecer besteira
mas o que vai pelo ralo
é precioso regalo
da uma existência inteira
O corpo é feito de água
o fluido corre na veia
e a Terra vista do alto?
é toda azul, nossa aldeia!
e assim é fácil pensar
que é necessário cuidar
da água que nos rodeia
E deste rio bonito
no coração da cidade
que aos poucos vai retomando
a sua longevidade
e se juntos embarcamos
então com ele pulsamos
tamanha afetividade!
Mari Bigio
Recife, outubro de 2013.
NOTAS:
*Referência ao livro Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.
** Referência ao livro “O Cão Sem Plumas”, de João Cabral de Melo Neto.
***Referência ao poema “Evocação do Recife”, de Manuel Bandeira.