Hoje, 20 de Março, é o Dia Internacional dos Contadores de Histórias. Este ano a data coincide com o equinócio, um eclipse e a super lua! Haja energia! Para comemorar, lanço aqui um cordel que é muito especial pra mim. Ele foi escrito durante o Festival Nacional dos Contadores de Histórias, em Ponta Grossa- PR, em 2014. Numa madrugada após ouvir palestras e debater sobre o ofício com narradores de diversas partes do país, percebi que minhas angústias são compartilhadas, e claro, minhas muitas alegrias também. Não estou só, não estamos sós! Sou muito grata por ter despertado para as histórias, por poder trabalhar e viver em meio a elas! Esse Cordel é fruto dessa tomada de consciência. Recentemente, com esse texto, fui contemplada com o segundo lugar no IV Prêmio Solano Trindade de Poesia Afro-brasileira, um concurso performático de textos de autores pernambucanos, promovido pela Prefeitura de Jaboatão do Guararapes – PE.
Cordel da Inspiração Cigana
(por Mariane Bigio)
“Eu estava num deserto
Só que era feito de mar
Água por todos os lados:
Eu não sabia nadar.
Perdida sem nenhum norte
Talvez pelo medo da morte
Comecei a delirar…
Avistei longe na praia
Uma miragem, de certo
Algo que jamais se viu
Caminhando ali por perto
Um tilintar de colares
Alfazema pelos ares
No calor do Sol aberto
Tomou forma de mulher
De olhos bem amendoados
E as ondas que beijavam
Os seus pés, então molhados
Regressavam com vergonha
Pelos dedos “ingilhados”
As curvas do corpo esguio
Sob véus se insinuava
E o vestido esvoaçante
Rente ao corpo se encostava
Graças à leve brisa
Que de maneira precisa
Com os tecidos desenhava
Cortando as águas salgadas
A beldade me alcançou
Pensei em pedir-lhe ajuda
Mas algo me enfeitiçou
Encurvou-se, mendicante
E o seu braço estirou
Era como uma cigana
Mas mostrou-me a sua mão
E quem julga aqui, se engana
E recorre à ilusão
As linhas de minha palma
os segredos de minh’alma
A ela pouco serviam
Com sua mão estendida
Com a face enternecida
Eis o que meus olhos liam:
Num piscar de ligeireza
A moça se transformou
Não mais véus e sim farrapos
O seu corpo definhou
Cabelo descolorido
O semblante deprimido
E a voz rouca murmurou
“Os destinos que vislumbro
Tudo aquilo que já li
Cada mão que já toquei
Tudo isso eu perdi
Não existem mais mistérios
Há no mundo um revertério
A descrença mora aqui!
Há quem tape seus ouvidos
Há que não estenda à mão
Com braços entrecruzados
As pessoas dizem “não”
Como vou sobreviver?
O que mais posso fazer
Pra manter-me na missão?”
Eu de súbito senti
Uma enorme compaixão
Como se aquela velha
Tocasse o meu coração
Seu penar em mim doía
Minha alma revolvia
Procurando solução
Foi quando noutro piscar
Eu gritei: eu acredito!
Num instante o seu cabelo
Foi ficando mais bonito
E de novo, outra vez
Eu lhes disse: acredito!
Eu não vi explicação
Nas palavras que eu dizia
Como se entoasse um mantra
Eu apenas repetia
A mulher que definhara
Logo rejuvenescia
Acredito, acredito!
E uma lágrima caiu
Se foi minha, se foi dela
Não se sabe, não se viu
Como era também salgada
Pela maré foi tragada
E a mulher também sumiu
Eu acordei do meu sonho
E ainda estava no mar
Só que não mais à deriva
Recomecei a remar
Não conheço a fundo o rumo
Mas de quando em quando aprumo
Para nunca naufragar
Ainda que contra a corrente
Eu precise navegar
Continuarei andarilha
Com histórias pra contar
Feito uma moça cigana
Que nunca se desengana
Se houver quem acreditar!”
Ponta Grossa – PR, Maio de 2014.
Que lindo Mariane!
Tenho uma ligação espiritual com os ciganos e fiquei comovida com o cordel.
Adoro o que vc faz! Que a cigana te ilumine pra que vc nunca deixe de contar histórias lindas e encantar quem as escuta!
Bjo
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Muito Obrigada, Bel! Beijos1
Que lindeza Mari, nada é por acaso nisto eu acredito, justo hoje que tava cheia com meus problemas leio este poema….
Eita, danosse , esse poema me vez uma danado hoje!
#SouTuaFã!
Bjinhos minha flor!
Amei, é como se eu entrasse n’a história também. Salve ao povo cigano!
Gostei