
No sertão de Pernambuco
Corre a história do dia
Em que a Morte fez sucesso
Por ganhar na loteria
Ficou rica e milionária
A tal dama tão sombria
.
Um senhor muito avarento
Fez fortuna e não casou
“Pra gastar o meu dinheiro?
Nem na Igreja eu num vou?
Festa e vestido de noiva?
Deus me livre que num dou!”
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E assim, não teve filhos
Nem bicho de estimação
“Eu que não gasto vintém
comprando angu e ração!
Eu não quero papagaio
não quero gato e nem cão!”
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Também não quis amizades
Com medo de interesseiros
“Eu sei bem que esses “amigos”
só pensam no meu dinheiro!”
E assim ficou solitário
Sozinho no mundo inteiro
.
Virou as costas pra fé
Que é pra não gastar com vela
Pra não gastar energia
Nem assistia novela!
Não tinha prato nem copo
Comia numa tigela!
.
Descalço pra todo canto
Que é pra não gastar a sola
Não dava ajuda a ninguém
“Eu não sou de dar esmola!”
Não tinha bolsa nem mala
Andava com um sacola
.
Nem mesmo tinha carteira
Nem tinha conta no banco
Dizem que escondia o ouro
No solado de um tamanco
E o povo todo cantava
Num refrão de mote franco…
.
O Cabra nem se importava
Com a riqueza enrustida
Enchendo bucho de água
Pois mal comprava comida
Até que chegou a noite
Derradeira em sua vida
.
A Morte bateu à porta
Mas ele não atendeu
“Eu que não abro, não!
Maçaneta encareceu
se me solta um parafuso
prejudicado sou eu!”
.
A morte pede licença
Pois só pode entrar assim
É uma dama educada
Que só traz notícia ruim
Pôs a cara na janela
Pra ser atendida enfim
.
“Deus me livre, coisa ruim!
Vai de retro, indesejada!”
O mesquinho então gritou
Com a voz amedrontada
“Não devo nada a ninguém
nem ninguém me deve nada!”
.
A morte ficou estanque
Coisa de se admirar
Era ninguém dever nada
Nem ter nada para cobrar
E assim, a Caetana
Logo pôde averiguar
.
“O senhor deve ser pobre
é que o posso imaginar
essa casa é muito boa,
isso é possível notar
mas pergunto, onde é que sentas
sem cadeira e nem sofá?”
.
“Sento no chão, minha cara
tapete é pra ostentar”
A Morte o entrevistou
“E a cama pra se deitar?”
“É uma esteira bem gasta
com jornal para forrar”
.
Depois de muito indagar
Descobriu toda verdade
“Avarento, mão-de-vaca
manicurto e sem vontade!
Vou é te levar agora
não importa a sua idade!”
.
A Foice levou homem
Sem ter ninguém pra velar
O que se leva da vida
É a vida que se levar
Não resta nada pra quem
Nunca soube o que é amar
.
A casa foi vasculhada
Mas o dinheiro sumiu
O tamanco, tão famoso,
Ninguém sabe, ninguém viu
Mas A Morte em sua folga
Uma assombração sentiu
.
O fantasma do avarento
Apareceu em um sonho
Arrependido ele estava
Por ser pão-duro e tacanho
Falou pra Morte onde estava
A fortuna sem tamanho
.
A Morte foi, caladinha
Para o local revelado
Fez da sua foice pá
No terreno acidentado
Que ficava atrás da casa
Do falecido amarrado
.
Lá encontrou a botija
Cheia de ouro e dinheiro
E uma caixa de sapato
Embrulhada por inteiro
E dentro o par de tamancos
Desses de assentar terreiro
.
A Morte ficou ricaça
E resolveu viajar
Saiu de férias uns dias
Fez farra pra festejar
Deu a volta pelo mundo
Em jato particular
.
Comprou mansão com piscina
E um castelo de rainha
Foi caviar com champanhe
Enchendo a sua pancinha
Comprou moto e jetsky
E uma Ferrari novinha
.
Emprestou e apostou
Passou cheque em doação
Comprou cavalo e fazenda
Obra de arte em leilão
Gastou cada um centavo
Até não sobrar tostão
.
Ao cabo de uma semana
Ao serviço retornava
Tendo gasto a tal fortuna
Pois ela nada poupava
Voltou toda sorridente
Todo mundo perguntava
.
“Fiquei rica e já gastei
e assim volto à minha lida
o destino do avarento
é a pena mais sofrida
pois sua herdeira é A Morte
eis a certeza da vida!”
.
Avarento moribundo
Sabe quando vai morrer
A Morte chega sambando
Pro cabra reconhecer
Vem batucando o tamanco
Pra todo mundo saber!
.
Por Mari Bigio, Janeiro de 2021.