(infelizmente este é um poema-relato)
Deus abençoe esse rabo.
Com essas palavras. Exatamente essas, sem tirar nem por.
Era desconcertante.
Era como se ter um rabo roubasse a minha dignidade
Deus abençoe, ele disse.
Ou melhor, escreveu.
Melhor seria se houvesse dito, proferido, mas escreveu.
Escreveu em um papel, daqueles bloquinhos de anotar idéias.
Há um quê de sacro na palavra escrita, não sei.
Ela permanece mais na memória, uma frase, um verso, vira uma imagem,
Apreendida.
Ou o fato de eu acreditar em Deus.
Estava embriagado de vinho e de toda uma história que remetia aos tempos mais remotos da sociedade em que vivo. Embebido em desrespeito e despropósito. Ébrio de puro machismo.
Tive raiva da calça que usava. Tive raiva do meu próprio corpo.
Me sabia fêmea, selvagem, por vezes. Mas daí a ter um rabo abençoado…
E assinou. Assinou embaixo. Não havia vergonha nas palavras escritas.
No ato. Havia vergonha nas palavras lidas, no fato.
E em mim. Eu era toda vergonha, desembaraço.
Eu tenho um rabo.
Virei bicho.
Vou carregá-lo e abaná-lo frente a todos os que ousarem me desrespeitar.
Como uma cadela, vou rosnar e mostrar os dentes aos meus opressores.
Cuidado, cadela brava e hostil.