
Peixe-boi ( Imagem via Pixabay)
Um enorme peixe-boi
Tirava um belo cochilo
Boiando acima no rio
Com seu semblante tranquilo
Quando algo aconteceu
E o seu corpo estremeceu
Vibrando quilo por quilo
E o quê que seria aquilo?
Espasmo desconfortável
Que atrapalhou a soneca
De forma tão lamentável
“Não sei se espirro ou se tusso
deve ter sido um soluço
que coisa desagradável”
E de fato era notável
A água reverberava
A cada soluço seu
Uma onda se formava
Os outros bichos então
Fizeram reunião
No rio que se agitava
Uma garça ali pousava
Buscando peixe ou minhoca
“Ouvi no rádio que toca
um doutor entrevistado
tem que comer um punhado
de farinha de mandioca!”
E farinha de mandioca
O peixe-boi deglutiu
Mas pra desespero seu
Nenhum efeito surtiu
Dali a alguns minutos
Novos espasmos abruptos
Outro soluço se ouviu
Um jacaré sugeriu
Até um tanto simpático:
“Aproveite meu amigo
que és um animal aquático
tome água em boas goladas
acabando a palhaçada
do soluço enigmático”
Peixe-boi bastante prático
Depois de comer farinha
Bebeu da água do rio
Que estava bem geladinha
Mas de nada adiantou
O soluço retornou
Para a mesma ladainha
Foi aí que uma tainha
Peixe bom na natação
Disse então que o peixe-boi
Prendesse a respiração
Pois a paz retornaria
O soluço passaria
De pronto, de supetão
Mais uma superstição
Tentativa de ajudar
Farinha seca na boca
Água pra ele tomar
Prendeu a respiração
Com muita sofreguidão
Sem que fosse adiantar
O sapo veio a coaxar…
“Põe na testa um algodão
os humanos fazem isso
já vi lá no casarão
quando fui por trás do monte
bebê com algodão na fronte
tem ciência a tradição”
Ah, mas que judiação!
Farinha e água na goela
Prendeu a respiração
Quase lhe trouxe sequela
E agora algodão na testa
E o soluço fez a festa
Permaneceu sem querela
Cobra-d’água com cautela
Deu uma dica pertinente
“Para curar seu soluço
faça como uma serpente
bote a língua bem pra fora
que o incômodo vai embora
e ficas bom novamente!”
E o coitado minha gente
A farinha devorou
Bebeu água, a pança cheia
Respiração que parou
Pôs na testa o algodão
Por fim abriu seu bocão
E a sua língua esticou
Um risinho se escutou
Que cena constrangedora!
Até que chegou à margem
A paca trabalhadora
Com outra dica maluca
“Dê três tapinhas na nuca!”
Disse em tom de professora
A bicharada doutora
Dava receitas sem tento
Ignorando o mamífero
Que afundava em sofrimento
E que agia por impulso
Pra se livrar do soluço
Sem esperança ou alento
Ao rito deu seguimento
Farinha, água, sem ar
E o tal algodão na testa
Mais uma vez esticar
A sua língua todinha
E ainda mais três tapinhas
Na nuca, pra completar
E nadica de passar
O seu soluço insistente
Foi quando saiu da toca
Um ratinho inteligente
“Se um elefante eu assusto
o peixe-boi tão robusto
se assustará certamente!”
Assim saltou prontamente
Com muita astúcia e presteza
Ao lado do peixe-boi
Em cima da baronesa
A planta d’água que assim
Lhe serviu de trampolim
Pra escapar da correnteza
Subiu cheio de certeza
Foi parar no cocuruto
Do coitado peixe-boi
Que mesmo tão grande e bruto
Se afligiu e sem segredo
Demonstrou todo o seu medo
Desespero absoluto
O soluço: resoluto!
Apesar da confusão
Não teve farinha ou água
Prender a respiração
Algodão, língua esticada
A nuca toda esfolada
Dos tapas sem precisão
Um susto foi solução
Que o peixe-boi precisou
Um ratinho, tão miúdo
Fez o que ninguém pensou
A cura às vezes mais plena
É tão simples l e pequena
Tal como a história ensinou
Por Mariane Bigio
Janeiro de 2020